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Bispo que viveu no sertão do Piauí pode virar 37º santo do Brasil
Dom Inocêncio López Santamaria, bispo que viveu no sertão do Piauí combatendo a fome, a seca e o analfabetismo, pode virar santo.
Uma equipe de Roma, contratada pela Ordem Mercedária do Brasil, exumou em fevereiro os restos mortais do religioso espanhol, que viveu por 27 anos no município de São Raimundo Nonato (a 517 km de Teresina). Santamaria morreu de câncer em 1958, aos 83 anos, em Salvador. Um dos milagres atribuído a ele seria um bebê que acordou do coma.
A exumação do corpo de dom Inocêncio faz parte do processo de beatificação e canonização autorizada pelo papa Francisco.
O bispo entra na lista de “servo de Deus” assim como Dom Helder Câmara, arcebispo de Recife (PE), Odete Vidal de Oliveira (Odetinha) e Zilda Arns. Todos vão passar por uma análise criteriosa da igreja Católica para serem beatos [se houver a confirmação de um milagre] e em seguida declarados santos [se comprovados dois milagres].
No Brasil, há seis religiosos canonizados. Outros 30 serão elevados a santos em outubro deste ano, conforme anunciou o Vaticano na última quinta (2). Se confirmado, dom Inocêncio será o 37º santo nacional.
Um Tribunal Eclesiástico foi instalado para investigar a vida de Dom Inocêncio que nasceu no dia 28 de dezembro de 1874, na aldeia de Sotovellanos, na província de Burgos, na Espanha.
Os restos mortais do bispo estavam enterrados dentro da catedral de São Raimundo Nonato, em frente ao altar. A cerimônia foi fechada e a catedral isolada.
Os especialistas em exumação do Vaticano encontraram intactos o anel do bispo, seu crucifico e o solidéu vermelho (boina em tecido).
Garrafa com água, uma surpresa
O Frei Rogério Soares, 37 anos, provincial da Ordem Mercedária do Brasil, que acompanha o processo de Dom Inocêncio, contou ao Cidadeverde.com que uma surpresa na exumação foi encontrar uma garrafa com água dentro da sepultura.
“Na ata constava que no sepulcro existia uma garrafa contendo papéis com breve relato de sua vida e quando abrimos a sepultura não encontramos nenhum texto, apenas uma garrafa com água. Isso foi uma grande surpresa”, conta o frei que acompanhou a exumação do corpo.
O próximo passo é levantar a história do bispo e coletar testemunhos de quem conviveu com dom Inocêncio. Cerca de 60 pessoas serão ouvidas, entre eles cinco padres vivos que conheceram o bispo. O processo, que será entregue ao Vaticano, deve durar mais de dois anos.
“A fama de santidade de dom Inocêncio permanece mesmo após 59 anos de sua morte. A sua principal característica é a humildade e a gentileza”, destacou Frei Rogério.
Construiu 28 escolas na zona rural
Dom Inocêncio chegou ao município piauiense em 1931 após andar por 12 dias a cavalo da Bahia ao interior do Piauí. Encontrou uma região em absoluto atraso. Sem energia elétrica, água potável, comunicação e nem estradas – que incluíve o impediu de tomar posse na cidade de Bom Jesus do Gurgueia. Por isso, ficou em São Raimundo Nonato. Frei Rogério Soares conta que Dom Inocêncio construiu mais de 28 escolas somente na zona rural de São Raimundo.
“O bispo tinha uma preocupação muito grande com a educação. Ele trazia professores para dar aula de latim, francês, música para a população pobre e acreditava que a cultura era também uma forma de desenvolvimento”.
Entre os documentos descobertos pelo Tribunal Eclesiástico estão cartas do bispo encaminhadas as autoridades pedindo ajuda para alimentação das famílias, estradas e água.
“Um dos testemunhos conta que Dom Inocêncio chegava a colocar dinheiro em um envelope e pedia alguém para pôr debaixo da porta da família que passava fome. Ele não entregava pessoalmente para evitar o constrangimento”, conta o Frei.
Com sua persistência e ajuda financeira de campanhas, foram construídas mais de 700 km de estradas, escolas em áreas rurais, poços, açudes e capelas entre 1931 a 1958.
Legado de santidade
O padre José Deusdará da Rocha, 75 anos, que foi aluno de Dom Inocêncio, conta que todos os consideravam santo mesmo em vida.
“O povo sempre teve uma devoção por ele e era visto antes de morrer como um santo. Quem conheceu Dom Inocêncio não conseguia se esquecer dele. Ele reunia duas qualidades raramente encontradas em uma só pessoa: a magnificência e a humildade”.
Segundo o padre Deusdará, o bispo era um intelectual e assumiu todos os costumes de São Raimundo Nonato. “Ele gostava muito de umbu e dizia que era a uva do Brasil. Era um homem de oração, não tinha palácio e morava com os outros padres e antecipou preocupação do Vaticano como o clero autóctone, formando vários padres na região”.
Quem também conviveu com Dom Inocêncio foi o padre José Herculano de Negreiros, 73 anos. Ele estuda o sacerdote há cerca de 50 anos e lançou o livro “Dom Inocêncio – o Piauí abriga um santo”.
“Ele era um santo em vida. Uma pessoa calma, meiga, sorridente e acolhedora. Recebia em sua residência desde bêbados a padres, visitava os doentes, os presos e era adorado pelas crianças. Foi um homem que se entregou por inteiro ao sacerdócio”, lembra o padre Herculano Negreiros, que também é da Ordem das Mercês.
No livro, o padre descreve Dom Inocêncio como um homem “determinado, obstinado e incansável”.
“Embrenhava em matas e caatingas expondo ao cansaço, a fome, a sede, e ao calor impiedoso…realizou um duro e austero trabalho humanitário, social e cultural na região”, descreve padre Herculano
Bebê acorda do coma
O bispo é venerado na região e seu túmulo recebe uma peregrinação de fiéis. Há pessoas que caminham descalços sobre o sepulcro em busca de cura para os pés e dores nas pernas.
O frei Rogério Soares informa que há relatos de milagres na região atribuída a intercessão de Dom Inocêncio. Dois casos são emblemáticos. Um aconteceu em outubro de 2016 quando um recém-nascido passou cinco dias em coma, sem temperatura corporal e sua tia, devota de Dom Inocêncio, fez orações pedindo intervenção do bispo e o bebê foi salvo.
Outra suposta graça envolve a recuperação de uma vítima de acidente de motocicleta ocorrido em 11 de março de 2008.
Do alto clero em Madri a vida simples no Piauí
Filho de família pobre, Inocêncio López Santamaria nasceu no dia 28 de dezembro de 1874, na aldeia de Sotovellanos, na província de Burgos, na Espanha. Aos 15 anos foi para o seminário da Ordem de Nossa Senhora das Mercês no convento de Poyo, na Galícia.
Foi ordenado padre aos 22 anos. Sua vocação e dedicação se destacaram na igreja que foi designado vigário provincial e superior do convento de Madri. Dom Inocêncio chegou ao alto escalão e foi nomeado mestre geral da Ordem de Nossa Senhora das Mercês. Por 11 anos, ele morou em Roma.
Com a dificuldade de encontrar sacerdote para ocupar o cargo criado em Bom Jesus do Gurgueia, no extremo Sul do Piauí, Inocêncio deixa Madri e com autorização do Papa Pio XI fez uma longa viagem até chegar a região considerada o polígono da seca. No País, ele funda a Congregação das Irmãs Mercedárias Missionárias do Brasil.
Uma característica marcante de Dom Inocêncio foi acreditar na superação da pobreza através da educação. Acometido com câncer no fígado, morreu em 9 de março de 1958, no Hospital Espanhol de Salvador, na Bahia. Era um bispo tão adorado que seu velório durou cinco dias passando por cidades da Bahia, Pernambuco até chegar em São Raimundo Nonato. Seu corpo foi sepultado no altar mor da catedral da cidade no dia 14 de março de 1958.
Fonte: cidadeverde.com
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